A caçadora de borboletas
A menina usava o uniforme do colégio e uma tiara rosa, com uma flor azul bordada. Eu estava sentado no café, junto com o neto do Don Carlo e o Eric Clapton. Ela tinha que passar por nós e só conseguiu com a cabeça abaixada e o incentivo da mãe, “venha, filha”. Segurava um cabo, muito maior do que ela, com uma pequena rede na ponta que, pesquisei depois, se chamava “puçá”. Tanta graça obrigou o Eric a perguntar o que a “moça ia fazer”.
- Tô indo caçar borboletas.
Agora ela ergueu a cabeça, mostrando mais confiança, como se aquilo fosse o certo a fazer naquela quinta-feira de tarde. A resposta, tão insólita, me fez desviar os olhos do Whatsapp e pensar naquilo. Olhar aquilo. Foi então que vi atrás da caçadora de borboletas um gramado, que uma mulher molhava com a mangueira. O cheiro da grama molhada entrou pelo meu nariz e isso me remeteu à infância. Do outro lado da rua, uma senhora estava com os braços pousados na janela, olhando a rua. Foi quando percebi que eu estava dentro de um clichê literário.
Mas a realidade estava ali, insistindo, exigindo que eu a olhasse. Os carros passavam mais devagar e parecia que ela gostava disso, porque tudo tinha também aquele ritmo, exceto o meu Whatsapp, que notificou umas 10 mensagens neste período. Afastei o celular, como se ele fosse um mau convidado.
Demorou, ou simplesmente durou, mais um tempo para o Eric comentar que, na casa da mulher com braços pousados, morava outra, que tinha dez filhos. A qualquer hora que você passasse na frente, poderia ouvir a algazarra. Ele notou meu interesse e acrescentou que o nosso café era a “casa dos astronautas”. “Astronautas?!”, perguntei, provavelmente de boca aberta. Porque ninguém sabia o que aqueles três homens, que ali moravam, faziam. Então, só poderiam ser astronautas. Claro! Ah, e ali onde está o mercado Festval era um Haras…
Lembrei de algum verso em que o poeta dizia que não suportava tanta realidade. Não sei se tanto, mas eu estava exasperado dela e me levantei pra pagar a conta. Enquanto o caixa digitava o valor, vi as dezenas de mensagens do Whatsapp, o que me causou um tédio, na verdade, uma revolta. Devíamos estar falando do que acabou de acontecer ali, e do que aconteceu antes, na minha rua. Ou quem sabe nas outras ruas também.
Até porque, depois de pagar, permaneci mais um tempo e vi a caçadora de borboletas retornando. No puçá, não estava uma borboleta amarela, com a ponta das asas pontilhadas de preto, voando aflitiva. Provavelmente porque a menina iria chegar em casa e guardá-la no pote de vidro, vendo então como caçar borboletas pode ser triste. Vi que não estava em nenhum clichê literário. A realidade esmaga qualquer clichê.