A nova distribuidora de água
Ela foi inaugurada a algumas ruas abaixo e só a notei quando estava correndo. Diminuí o passo e observei por alguns segundos aquela placa azul, com gotas desenhadas nas pontas, uma grande e duas pequenas, e o nome, em letras gordas, “distribuidora de água”. Vários galões na frente, azuis e rosas, me fizeram pensar se há quem prefira um galão azul ou um galão rosa. Sem dinheiro na hora, decidi que compraria uma garrafa de água na próxima corrida.
A distribuidora fica naquilo que foi uma casa, então há um portão que corre, uma subida leve em piso de lajota, até chegar ao estabelecimento propriamente, com um largo balcão, lá atrás na garagem. Então corri de novo pela Vila Izabel e calculei um trecho para terminar os quarenta e cinco minutos exatamente ali na frente. Parei o relógio e me apoiei nos joelhos, para pegar ar. O cachorro da casa ao lado começou a latir, atrás do portão de madeira, e fixei o olhar nele, como se isso talvez o fizesse parar. Na distribuidora, quatro homens conversavam. Atravessei o portão e, antes de chegar no balcão, um olha para mim e, quase no mesmo instante, os outros também. E a conversa para.
Há muitos anos, na Praça Osório, tive que usar o banheiro público, não por falta mas excesso de água. Inseri a moeda de um real na catraca, passei pela a porta e, na frente das cabines, uns três ou quatro homens conversavam, apoiados na pia. O espelho os multiplicava. Um deles me olhou e a conversa também parou, eles esperando que eu falasse o que estava fazendo ali, como se isso não fosse óbvio. Entendi que eles ofereciam outra opção, talvez mais interessante do que a que eu tinha em mente. Simplesmente apontei uma cabine e eles entenderam.
Foi esta lembrança que voltou inapelavelmente na distribuidora. Poderia ser apenas coincidência, talvez um trauma mal resolvido, mas novamente falei o que queria fazer ali, como se declarando minhas intenções:
- Eu quero uma garrafa de água.
Vi que dois se olharam, sem falar nada, e um deles balançou a cabeça rapidamente, indicando que seria o responsável por ir lá atrás pegar a garrafa. Os outros três continuaram sérios e silenciosos, talvez um deles pegou o celular. O cachorro latiu só uma vez, um uivo no ar, e parou. Pensei em cumprimentá-los, porém antes de meu olhar alcançá-los, notei que já me olhavam, então o desviei para a TV. Ela estava desligada e a tela mostrava o meu reflexo escurecido e três homens atrás. Parecia que o cachorro tinha parado de latir há tempo demais.
- É três.
A garrafa de água balançou antes de pousar no balcão e eu tive que segurá-la para não cair. Procurei em um bolso e não encontrei as duas notas de dois reais. O cachorro voltou a latir, agora insistentemente. Encontrei-as no de trás e pensei em deixar o troco, mas talvez isso demonstrasse fraqueza ou, pior, ele se ofenderia. Ele me entregou a moeda de um real e não a guardei no bolso, também não abri a garrafa. Só não voltei a correr porque seria muito ridículo e provavelmente covarde.
Continuo correndo pelo bairro, quarenta e cinco minutos, mas agora só me hidrato em casa. Tenho até filtro, não preciso de galão azul nem rosa, e três reais em uma garrafa de água é caro demais.
E as outras opções eu não preciso saber.