Foi com consternação que lemos o resultado final do credenciamento das escolas de samba no carnaval de Curitiba. Já tínhamos até composições na disputa, naquele que seria nosso primeiro desfile. “Bororós! Wadaru! Vila Izabel é meu chão!”, “Dario Velozo: o poeta simbolista está aqui” e “Sebastiões, Guidos, Álvaros e outros mestres” eram as favoritas. Outras corriam por fora, homenageando desde a amora, fruta símbolo do bairro, até o “verde abundante” da mesa de sinuca, um evidente exagero poético.
Inclusive as cores da agremiação estavam definidas. Amarelo, em homenagem à cor do bar em que ela foi gestada e o vermelho, por causa das escadas do Instituto Neo-Pitagórico. O amarelo era também a cor da fachada do Instituto, então isto serviria caso precisássemos de uma explicação mais séria. No centro da bandeira, uma amora coroada.
Esta idealização, porém, não foi suficiente para o responsável pela avaliação das inscritas, em alguma sala com ventilador de teto na Fundação Cultural de Curitiba. A bem da verdade, o edital era claro nas exigências para desfilar no asfalto sagrado, nem tão apoteótico, até porque termina na linha do ônibus expresso, da Av. Marechal Deodoro:
a) desfilar com, no mínimo, 173 integrantes;
b) desfilar com, no mínimo, 11 na Ala das Baianas;
c) desfilar com, no mínimo, 06 integrantes na Comissão de Frente;
d) desfilar com, no mínimo, 30 na Ala da Bateria
Acho que conseguimos uns 60 integrantes, no máximo. E eram poucos os que sabiam exatamente o que estavam atestando com suas assinaturas. No último dia, em desespero, dissemos que era um abaixo-assinado para que a prefeitura melhorasse o calçamento das ruas do bairro. “Ótima iniciativa, piazada”, um senhor nos incentivou, depois de assinar.
Na Ala das Baianas conseguimos um total de 01 assinatura, da “Tia Sul”, da barraca de Acarajé, ali na feira da Praça Abibe Isfer. Ela se empolgou com a ideia e comentou que sua vó chegou a desfilar no Rio, mas não se lembrava em qual escola. “Portela?”, “Sim, isso. Portela!”, sem muita convicção. Provavelmente se perguntássemos “Caprichosos de Pilares?” ela também teria assentido. Soubemos na assinatura que “Tia Sul” era “Sulmira”.
Já na Ala da Bateria, conseguimos um bom número, em sua maioria ex-membros da Torcida Os Fanáticos, que se animaram também. Combinamos, na verdade suplicamos, que os adesivos da caveira fossem temporariamente, pelo período de 50 minutos de desfile, substituídos pela majestosa amora coroada. Meio a contragosto, eles aceitaram.
Fosse a comissão de frente o único critério, esta crônica seria sobre o desfile. Eu, Chance, o coveiro, Carlos e Marky Ramone fomos os primeiros a assinar. Até Eric Clapton gostou da ideia e disse pra passar na frente de sua casa, quando estivéssemos indo para a avenida. Eu, humildemente, acumularia as funções de patrono, presidente, membro da Velha Guarda e cavaquinista.
Infelizmente, a escola morreu no ventre, perfurada pela canetada de um burocrata. Não havia mais mentiras para convencer novos integrantes, só existia uma barraca de acarajé no bairro e teríamos que falar com outras torcidas organizadas da cidade, colocando em risco a harmonia do desfile.
Então, naquela noite, em que afinal não desfilaríamos, passamos na casa do Eric Clapton que, comovido, nos convidou para entrar e tomar umas cervejas. Não tinha caixão, mas estendemos sobre a mesa o guardanapo, encharcado, em que havíamos desenhado o nosso pavilhão. Peguei-o com cuidado, esticando a ponta dos dedos e deixei secar.
A Acadêmicos da Vila Izabel não precisou nascer para se tornar um sonho da Vila Izabel. Por isso, hoje em dia é conhecida como “O Anjo da Avenida”.
Que sonho lindo! Seria um grande desfile!