Se você quiser abrir uma loja na sempre movimentada Av. República Argentina, é recomendável contratar um segurança. Especialmente se ela ficar aberta até de noite, fechando no perigoso horário das 22:00, quando a iluminação dos postes é insuficiente. Descer aquela porta de enrolar é tarefa que exige responsabilidade e não há ninguém melhor do que Carlos para fazer isso.
Ainda que não tenha as características de um segurança padrão, exceto pelo paletó de número maior e a bainha da calça gasta. Carlos não passa de um metro e meio, tem cabelos esbranquiçados, parecendo cinza de cigarro, e a barba está sempre por fazer. Além disso, tem dificuldade em se comunicar e faz um esforço para dizer as palavras, como se tivesse falando pela primeira vez.
Carlos vai trabalhar cedo, antes das 07:00, na sua bicicleta, que costuma ficar enfeitada em algumas datas. Quando o Athletico é campeão, ela é decorada com pompons vermelhos e pretos. Na Copa do Mundo, são substituídos por verdes e amarelos, com uma bandeira presa na cesta. E, no Natal, ele prende até um sino no guidão e veste um gorro de Papai Noel na cabeça.
Quando esquece sua bicicleta no local de trabalho - Carlos gosta de sair pra beber coca-cola e jogar sinuca - é repreendido no dia seguinte: “Não pode, Carlos. Tem que levar a bicicleta pra casa”. Então a sua reação é a da criança pega fazendo coisa errada. Ele abaixa a cabeça, engrossa o beiço e franze a sobrancelha. Olha pro chão e arrasta o pé, como se tentasse cavar um lugar para se esconder. Só não chora, porque ainda tem um pouco daquele homem que foi.
Porque antes daquele fim de expediente na loja de roupas femininas, Carlos era um sujeito normal, sem impulsos infantis e sem precisar levar bronca de ninguém. Mas atravessou a rua para conversar com o dono da barraca de cachorro-quente e, quando voltou, o assaltante estava com a arma apontada para a moça do caixa. A decisão de empurrá-lo salvou os ganhos do dia e, possivelmente, a vida da moça. Porém o tiro atingiu Carlos na cabeça.
Hoje é a dona da loja que o sustenta, pois a moça do caixa era sua filha. Ela paga o aluguel, o plano de saúde, a coca-cola e a ficha de sinuca. Carlos continua trabalhando na mesma loja de roupas femininas e, de vez em quando, faz a segurança de bancas, lotéricas e outros estabelecimentos. A história deve ter corrido o bairro e por ela Carlos é respeitado. Esse respeito evita que alguém pense em tirar sarro da sua bicicleta enfeitada ou do seu jeito infantil. Por isso, quem o encontra o cumprimenta, pergunta como estão as coisas e se despede.
Essa Vila Izabel é tudo de bom hein!! 👍
Aos poucos vou conhecendo e me apaixonando pela sua vizinhança.😘