Chance é o jardineiro do filme “Muito Além do Jardim” que passa toda a sua vida cuidando das plantas no fundo da mansão e, dentro dela, vendo TV. Isso até o dono da casa morrer, obrigando-o a sair de casa pela primeira vez. É assim, por acaso, que Chance se vê obrigado a amadurecer, sem desejar, nem sequer saber o que é isso. Ele veio parar aqui na Vila Izabel e só trocou a TV pela mesa de sinuca.
Hoje os cabelos estão totalmente brancos, mas o jeito infantil é o mesmo. Olhos sempre meio espantados, a boca aberta quando alguém fala com ele, e aquele ar irreal de quem não descobriu que vai morrer. É o único entre os jogadores com um taco próprio, lustroso, metade preto e metade branco, que traz de casa em um estojo de couro, de veludo roxo. Está todo dia ali, jogando, ou sentado esperando sua vez.
Porém a prática constante nunca retribuiu Chance, que tem um desempenho péssimo nas partidas. Ainda não consegue matar bolas fáceis, perde as suas pois sempre erra as longas e facilita o jogo do adversário. Depois das frequentes derrotas, sorri servilmente e parabeniza o vencedor, perguntando “Mas você achou que eu joguei bem?”.Todos costumam dizer que ele está melhorando, que aquela foi uma boa jogada ou criticam a mesa irregular.
É por isso que há um acordo silencioso entre os outros jogadores. Chance não pode ficar muito tempo sozinho, então alguém sempre precisa jogar com ele. Sendo as partidas “melhor de três”, em geral ganham a primeira e na segunda jogam distraídos, arriscando bolas difíceis e matando as próximas de tabela. Chance ganha e pede excitado “Nêga?!”. Na última, quase todos ganham, pois ninguém quer virar motivo de chacota.
O único hábito de Chance que o aproxima dos outros homens de lá é beber. E beber muito. Consome entre 8 a 10 doses duplas de conhaque, com bastante gelo. Quando passa dessa quantidade fica agressivo e desconta no garçom, acusando-o de ter marcado mais do que consumiu. Depois da discussão, pede desculpas e senta num canto, entristecido, apoiado em seu taco, que mais parece um cajado.
Chance vai embora um pouco antes de entardecer. Guarda seu taco no estojo, fecha-o com cuidado, tira suavemente uma sujeira que ficou em cima. Como se esperasse que alguém o notasse, olha em volta devagar. Mas as partidas continuam, o garçom está servindo uma mesa e a TV transmite um programa que ele não se interessa. Espera mais um pouco, se despede só do garçom, que só consegue respondê-lo quando ele atravessa a rua, sem olhar para os dois lados.
Parabens Badé! Triste realidade de muitos "Chances".
Sensacional Badé