Ali onde agora se vende feijoada a R$ 24,90 e marmitas a preço semelhante funcionava um estabelecimento mais elegante. Carlo, um italiano nascido em Luca, chegou por Paranaguá e, de trem, foi até Curitiba. Do seu país, trouxe uma mala e, principalmente, a habilidade que tinha: a alfaiataria. Em um época em que roupas prontas eram raras, ele prosperou aqui na Vila Izabel.
Um bom tanto pelas suas habilidades manuais e outro pela sua simpatia, que se diria calculada ou, melhor, medida. Aquela do tipo que decora o nome dos filhos dos clientes e pergunta como eles estão, ou a que elogia o novo corte de cabelo das senhoras solitárias do bairro. Estes eram seus clientes fieis, que pagavam as despesas básicas. Porque o dinheiro que Carlo gastava com vinhos e tabaco vinha de outra fonte.
Pouco antes do final do expediente, um Carlo impaciente contava o caixa. Do outro lado da calçada, já tinha visto o primeiro frequentador aguardando. A porta estava fechada, mas não trancada. Às 18:00, certificadas pelo seu relógio de bolso, colocou a placa anuciando que a alfaiataria só reabriria pela manhã.
Então, os objetos da loja assumiam novas funções. Os tecidos se tornavam panos de mesa, esta redonda para facilitar a distribuição de cartas. Os cabides, com os paletós pendurados, eram retirados do centro e ficavam no canto, servindo como uma inesperada decoração. Os botões marcavam os placares e apontavam o vencedor ao final. Só uma lâmpada, com seu movimento pendular, distribuía a luz de maneira desigual.
Um dos jogadores era chamado de “Djalma”, mesmo que seu nome verdadeiro fosse “Wilson”. Ninguém se interessou pelo motivo, até porque a conversa era pouca. Por instrução de Carlo, os dois jamais deveriam aparentar intimidade e a comunicação era só pelo olhar. “Lascia stare”, dizia Carlo, significando que era bom que os frequentadores gostassem do jogo, tendo a impressão de que poderiam sair mais ricos do que quando entraram. Mas Djalma sempre dava um jeito do grande vencedor ser a mesa, mesmo que os botões apontassem algo diferente.
Carlo só virou “Don” pelo testemunho de uma senhora, aceito por absoluta falta de explicação para ser falso. Todos sabiam do Smith & Wesson, calibre 32 SW, com cabo de madreperóla, que ficava ali abaixo do caixa. Ela contou - “juro!” - que viu Carlo voltando uma noite, com o revólver à vista e uma mancha de sangue no paletó, abaixo do bolso direito. “Abaixo do bolso direito” era o detalhe que deu a suficiente verossimilhança do caso.
Don Carlo se aposentou e suas filhas, costureiras, tocaram a alfaiataria por mais um tempo. Com a chegada das grandes lojas de roupas, a clientela foi se afastando, até o local virar o restaurante que é hoje. Já o jogo na Vila Izabel soube se reinventar e encontrou um outro estabelecimento.
Bom demais! Parabéns! 😀
Muito bom! Parabéns