Gegê, o velhinho malvado
Seu Geraldo é uma pessoa ruim, com todas as outras características que se afundam nesse abismo de ruindade. É rancoroso e guarda com cuidado todas as suas brigas passadas. Costuma relembrar o que fulano disse, o que fulano fez ou o quanto fulano não pagou. É reclamão e o restaurante que vai todo dia também erra todo dia. A cadeira em que sentou estava meio bamba ou faltou tempero no bife. É arrogante e sua vida é contada como uma sucessão de acertos, que Geraldo deve tão somente a ele.
Quando não tem um interlocutor, é capaz de ligar pra alguém para voltar a ser mau. Não pergunta “tudo bem?”, porque é óbvio que não está e este é inclusive o tema da conversa. Faz questão de falar alto, para que todos ao seu redor escutem bem. Normalmente Geraldo diz “Eu avisei!”, “Falei pra você não fazer isso!” ou desiste com “Quer saber? Então você que se vire!”.
Normalmente, do outro lado da ligação, estão um de seus filhos, com quem nutre problemáticas relações. O “ingrato do meu filho” pelo jeito nunca o agradeceu suficientemente por uma vida de sacrifício. Diz seu Geraldo que, na idade dele, já tinha realizado muito mais. A filha dá mais atenção, mas ele reclama do excesso de cuidado, rejeitando caronas, almoços e idas ao médico: “Já disse que vou sozinho!”.
Na verdade, quase ninguém o chama de seu Geraldo, pois muitos deixaram de demonstrar respeito, depois que ele os ofendeu, ou os destratou. “Seu Geraldo” vira simplesmente “você” ou, para alguns mais raivosos, até “velho”. Como se chamá-lo pelo nome fosse uma demonstração de carinho imerecida. Porém, se você perguntar o motivo, compreenderia o raciocínio.
Não sei dizer o que me ocorreu para chamá-lo, naquele dia, de outra forma. Talvez a Missa no dia anterior, as contas pagas ou o elogio de uma leitora. Ele andava devagar, como costuma sempre - o passo direito um pouco atrás do passo esquerdo. Cabeça baixa, focada na execução do movimento. Aproximei-me e o chamei, com alegria excessiva: “Gegê!”. Ele interrompeu o movimento, levantou a cabeça e forçou sua vista fraca para me reconhecer. Deve me ter visto no restaurante algumas vezes e respondeu balançando a cabeça, em um “sim” impaciente.
Alguns dias depois, ele estava pagando a conta e eu era o próximo da fila. Enquanto a atendente digitava o valor, seu Geraldo comentou que o restaurante já foi bem mais barato. Ela nem comentou, pois já deve ter ouvido muitas vezes e só perguntou se ele queria nota, que ele rejeitou com autoritarismo. Antes de sair pela porta, olhou pra mim e deu uma piscada, como se fosse um Chico Anysio no final da esquete. Gegê é um velhinho malvado. Mas só porque nunca soube ser outra coisa.