De fora, você nota a fachada bem cuidada. O bar tem identidade visual, logotipo próprio e até um símbolo inscrito, possivelmente por algum artista, na árvore em frente. Enquanto os outros da Vila Izabel tem só uma placa antiga, já enferrujada, e alguns sequer a tem, este se exibe de forma mais, digamos, profissional. Mas, ao entrar, a sua percepção muda.
Ele nunca está cheio. Como qualquer outro bar da região, recebe os mesmos clientes de sempre. São os aposentados, com seus olhos meio baços, que se levantam da cadeira, a custo. Depois de conseguirem firmar os pés, reclamam de alguma dor nas costas, prontamente rebatida, pela mesa, com sugestões de remédios e práticas transformadoras. “Não é fácil”, serve para terminar a conversa e pedir licença para ir até a geladeira. O dono, ali atrás do balcão, também é típico. Sempre de mau humor e um pouco incomodado com sua presença.
O terreno é enorme e parece ainda maior pela sua baixa ocupação. Atrás há um galpão, que seria capaz de armazenar o suficiente para um restaurante. Há até um pequeno estacionamento, que guardaria, com segurança, vários carros. A especulação imobiliária, no bairro que é muito cobiçado por corretores, chegou até aquela calçada, com suas mesas e cadeiras vermelhas, e parou. O local não está nem no Google. Ele não precisa de nada, nem de ninguém.
Então, por espírito jornalístico-investigativo, passei a frequentá-lo. Na segunda Antarctica, reparei que o dono não a anotou, preferindo continuar vendo um vídeo no Whatsapp, em volume máximo. Sentei e ouvi a conversa da mesa ao lado. Um frequentador estava bem doente, sem poder sair de casa. “O filho que tá cuidando, parece”, o que dispensou todos de qualquer solidariedade mais prática. Fui pagar e estava anotada apenas uma garrafa. Corrigi para duas. Paguei, ele não agradeceu e fui embora.
Foi só na vez em que um carro vermelho estacionou na frente que farejei algo. Não entendo nada do negócio, sei apenas ligar a ignição, mas consigo reconhecer aqueles de alto valor. O dono desfruta por alguns segundos do olhar das pessoas no entorno. Consegue vislumbrar uma sujeira, imperceptível, na porta e desliza, talvez com volúpia, os dedos na superfície. Pressiona o botão da chave e o som duplo provoca um sorriso de satisfação.
De estilo, também, sei ainda menos, mas em Curitiba você se familiariza com um deles, o do “novo rico”, elegante só quando traduzido para o francês. Porque o “noveaux riche” se veste como um jogador de futebol, ou vocalista de banda de pagode. Profissões, aliás, pelas quais tenho muito respeito, a despeito das roupas. Mas os três usam um relógio com uma caixa grande, capaz de reverberar os raios de sol. A camisa pólo ostenta no lado esquerdo do peito o atleta de algum esporte que ainda não chegou às massas. A jaqueta é daquelas levissimas, com vários níveis de acolchoamento. O cabelo é de um preto indefectível, cujo penteado caminha para o centro, buscando o volume.
E, este sim, foi bem atendido por aquele que supunha ser o dono. Pois a partir de então, o associei àquela fruta, cítrica e refrescante, que já o vi descascar, tranquilamente, impunemente, ali na frente. E tudo se transformou, sob meus olhos, como em uma página de realismo mágico. A geladeira de cerveja passou a funcionar de forma cíclica, e também cumpria a função de secar o que tinha dentro. Subitamente, tive a necessidade de olhar para minha jaqueta e ver se ela estava limpa. Porque eu estava bebendo em uma lavanderia.
É aquele histórico slogan de cerveja… pra bom entendedor, meia palavra basta