Logo que me mudei para a Vila Izabel, já o notei em uma das minhas primeiras caminhadas. Andando pela calçada, sempre de chinelo, com a cabeça baixa e catando guimbas de cigarro pelo chão. De blusa vermelha e calça verde, ou camiseta azul e shorts rosa, de vez em quando aquelas estampas tie-dye. Essa preferência por tons coloridos mostrava que aquele sujeito teve, um dia, personalidade.
Porque agora ele era um resto e tudo nele exprimia cansaço. Os olhos quase se fechando, como os de um cachorro velho tomando sol, e cada passo era arrastado, parecendo que, no próximo, cairia no chão de exaustão. Os cabelos eram castanho pálido e a pele tingida de sol, já bastante envelhecida.
“É filho de desembargador”, diziam. É por isso que comprava refrigerante em um bar próximo e pagava com cartão de crédito, na hora. “Tomou santo daime e ficou assim”, era a explicação para aquela condição. Imaginei-o desorientado e buscando sentido em uma droga alucinógena. Tive pena.
Até o dia em que o vi andando entre carros na Av. República Argentina, parados no trânsito. E, ao passar por um com vidro aberto, simplesmente deu um soco no passageiro. O agredido saiu do carro, junto com o motorista, e logo alcançaram o mendigo das roupas coloridas para se vingar. Na verdade, ele nem tentou fugir, como se tivesse desejando a punição. Socos, chutes e ofensas naquele corpo no chão.
Após este brutal espetáculo, ouvi que ele agredia pessoas com frequência, inclusive idosos. Lembrei dos meus avós, que moram perto, e imaginei um deles como vítima. Confesso que tudo aquilo foi para mim uma espécie de “punição preventiva”, me satisfazendo por alguns segundos.
“Mendigo assusta moradores da Vila Izabel”, foi o título da notícia compartilhada no grupo do condomínio, umas semanas depois. Em um dos vídeos, aquele mesmo sujeito arranca a tampa do bueiro, com uma força insuspeitada, e a atira em um carro que passava em velocidade. O texto dizia que, a cada vez que era preso, a fiança era paga e ele voltava às ruas.
Não imaginava o que era aquela fumaça grossa no céu, alertada por um morador no mesmo grupo. Depois que ela sumiu, ninguém soube dar explicações e o assunto logo morreu. Busquei na internet e também não encontrei nada. Não sei exatamente o porquê, mas desconfiei que o mendigo das roupas coloridas estava envolvido.
Fui ao bar em que ele comprava refrigerante com cartão de crédito e puxei assunto com o dono. Antes de eu terminar a pergunta, notei sua cara de satisfação, por saber a história e, principalmente, pelo final dela. “Foi uma briga entre dois mendigos. Um tacou fogo no outro. Um morreu, o outro foi preso”. O mendigo das roupas coloridas era o preso e, dessa vez, não conseguiu pagar fiança.
Ainda ouvi dizer, semana passada, que ele era engenheiro formado e tudo não passava de fingimento. Ele era capaz de conversar normalmente com qualquer um.
Talvez deveria terminar dizendo que que me arrependi daquele pensamento perverso ou dizer que tenho saudades dele caminhando por aqui. Duas soluções ridículas. Destes personagens aqui do bairro mantenho a distância de um espectador. Só posso dizer que mendigo das roupas coloridas fez parte da Vila Izabel.
Triste realidade! Parabens por conseguir colocar isso de forma + sensivel .
Gostei.