O Reginaldo Rossi da Vila Izabel
De óculos escuros aviador e cabelo crespo farto, o Reginaldo Rossi é monotemático: todas as suas conversas principiam ou convergem para a ex-mulher. Já se vão anos da separação, mas ele continua a remoendo na consciência. Lamenta que acabou, pois tinha muito para acontecer. Orgulha-se dos dois filhos criados e da cumplicidade que havia, especialmente no começo. Ainda usa a aliança e, quando perguntado, explica que “casamento não acaba”.
Diz que tudo aconteceu rápido, desde que a moça da plateia reparou no violonista, de camisa branca e calça social preta. Empunhava um “Takamine” de nylon, com um detalhe ondulado em preto, na boca. Ao final do show, a convidou para um “bailinho”, quando então dançaram “agarradinhos”: ele a “raposa”, ela “as uvas”. Casaram-se meses depois e os filhos vieram nos anos seguintes. O mais velho, com o jeito do pai e os olhos azuis do avô. O mais novo, prematuro, contrariou até o prognóstico do médico e nasceu perfeito.
Ele trabalhava na prefeitura, enquanto ela cuidava de casa, em um conjunto residencial na Rua Tamoios. Depois do expediente, passava na padaria. Pão francês, presunto, queijo e, a depender do comportamento dos piás, cueca virada. Acompanhar os dois crescendo era como viver a vida novamente, o que foi mais do que suficiente para o casamento perdurar. Logo o menor já estava no colégio e o mais velho com namorada.
Até então, o Takamine continuava guardado dentro do armário, ao lado da caixa de ferramentas, sem corda e empoeirado. Em um domingo ele o pegou e na segunda-feira comprou corda. Os piás se surpreenderam com o talento insuspeitado do pai e até sentavam para assistir. Ele, envaidecido, arriscou até uma música que o pequeno gostava. Mas a plateia durou algumas semanas e logo se desinteressou. Passou a tocar sozinho, olhando por mais tempo seu reflexo no vidro da janela.
Quando o amigo, dono do bar, o convidou para dar uma “canja”, ficou empolgado - excitação de vida acontecendo. Uma sucessão de imagens e ele guardou a de um bar inteiro o aplaudindo. Aceitou sem nem avaliar bem o valor do cachê, já com um repertório praticamente pronto na cabeça.
No dia do show, entre a camisa branca e a camisa preta, escolheu a última. Desabotoou os três botões de cima e colocou a corrente de ouro. Também um relógio prata, com caixa preta, herdado do pai. Quatro borrifadas de perfume “lancaster” no pescoço e mais duas para cada punho.
Já na segunda música, reparou no lenço vermelho, preso ao cabelo, da mulher sentada um pouco a frente. Ela não desviava o olhar nem quando o garçom vinha fazer alguma pergunta. No final, ele sorriu e ela sorriu também.
“Foi só uma vez. Não posso errar?”, me pergunta e eu dou de ombros. Passam-se alguns segundos e devolvo: “Só uma vez, Reginaldo?”. Ele ri daquele jeito meio canalha, com a pose do “homem terrível”, que dura por pouco tempo. Hoje ele tem plateias em diversos lugares da cidade, seja no Gato Preto ou em bares pouco iluminados no centro. Mas a sua plateia favorita nunca mais irá em show algum.