Sandro, o cozinheiro condenado
Semanalmente, Sandro prepara a melhor dobradinha da Vila Izabel e, quem tem seu contato, recebe um anúncio no Whatsapp com letras, em caixa alta, “Dobradinha Beneficente”. Depois do texto, há uma foto da saborosa mistura de feijão branco, linguiça calabresa, bacon e do miúdo que, nas mãos certas, se torna uma carne excepcional. Todo o dinheiro arrecadado é destinado para instituições de caridade.
Já quase terminando o curso de gastronomia, Sandro conta, com empolgação infantil, que é o melhor aluno da sala. Cita em voz alta, lentamente para entendermos bem, o elogio da professora: “Sandro, é um dos melhores pratos que já comi. Parabéns”. Até tira sarro dos outros colegas, a exemplo daquele que salgou demais o risoto de alho-poró ou do que errou no tempero da fraldinha no forno. E, como se quisesse sua aprovação, depois confessa seu sonho de abrir um restaurante.
Ele ainda tem uma oratória notável e domina as rodas de conversa. Dita os assuntos e sabe retomá-los quando quer. E, na ausência de qualquer um, recorre a seu repertório de piadas, muitas daquelas da década de 80, com trocadilhos sexuais e uso de estereótipos. Ele conta, ri sozinho e olha para cada um, até ver o sorriso, constrangido ou não, na cara de todos.
Uísque Red Label, com gelo até o topo. É essa a bebida que sempre pede, sem nunca ficar bêbado. Diz que cerveja é muito caro e incha muito. Sandro bebe em qualquer horário, seja em uma segunda de tarde, ou no sábado de noite. Ao fim de cada dose, costuma sair para fumar e, se alguém pede um cigarro, dá logo dois ou três. Se não tem nenhum no bolso, faz questão de ir até o carro, voltando com um maço inteiro, como se precisasse recompensar devidamente a falta.
Comentei essa generosidade incansável, quase desesperada, com um conhecido. Ele pensou um pouco, olhou para o lado e então se aproximou de mim: “cuidado”. Surpreso, só consegui diminuir a voz e perguntar “Por quê?”. Ele respirou mais fundo e notei que ele deve ter falado aquilo mais de uma vez: “Por que você acha que ele só anda de calça jeans?”. Ainda mais surpreso, lembrei que ele só usava mesmo calça jeans, em dias quentes ou frios. Imaginá-lo de bermuda exigiu certo esforço.
A tornozeleira eletrônica deve ser usada em qualquer horário, seja em uma segunda de tarde, ou no sábado de noite. Sandro cumpriu pena em regime fechado e conseguiu a liberdade, desde que usasse o incômodo dispositivo, que faz questão de esconder. O curso profissionalizante, assim como o trabalho voluntário, servem como remição da pena.
Não sei o que Sandro fez, até porque não faria qualquer diferença e poderia mudar a impressão que tive dele. A dobradinha beneficiente continua proporcionando vários almoços às famílias do bairro e, principalmente, ajudando pessoas em outros lugares. Se alguém perguntar se eu o conheço, vou dizer que “sim”, e dizer que Sandro é um homem generoso.