O pouco de cabelo branco que resta é disfarçado com um boné velho do coxa. A pele é toda sulcada e os pelos crescem em lugares inesperados, como na região periocular e no lóbulo da orelha direita. Sua voz é quase inaudível e sai um pouco sibilada, entre alguns focos dentários. Ele está sempre de jaqueta, também velha, também do coxa, faça o sol da semana passada, ou o frio desta. É o coveiro da Vila Izabel.
“Você é coveiro mesmo?”, perguntei aquilo que ele já deve ter ouvido várias vezes. Respondeu que sim, assim como seu pai, que trabalhou a vida inteira no Cemitério do Água Verde, aquele imenso quarteirão de túmulos e de muro alto. Há uma ótima pista de corrida no entorno, para quem deseja prolongar sua existência do lado de cá do muro.
“Mas hoje não tem mais lugar para enterrar”, o coveiro lamenta. Ele seguiu os caminhos do pai e trabalhou também no Água Verde, porém os serviços foram diminuindo, por falta de espaço. O subterrâneo já está todo ocupado e hoje quem quiser descansar na eternidade precisa achar outro lugar.
“Devia ter um cemitério aqui na Vila Izabel”, eu sugeri, sentindo que deixava minha morbidez passear sem coleira. Assim, passamos a especular o lugar ideal para o Cemitério da Vila Izabel.
“Ali no Corujão era uma boa!”. O coveiro sugeriu, com indevida alegria, aquele terreno abandonado, logo na entrada do bairro. O “Corujão” era uma antiga concessionária, que ocupa toda uma quadra, mas hoje abriga apenas um cachorro, que corre de lá pra cá, alucinado de liberdade. Porém, achamos que seria inadequado chegar no bairro e se deparar com seu destino final, assim de cara.
“E no Instituto Neo-Pitagórico?”. Eu pensei naquele privilegiado local, bem no meio do bairro, ali na “metade do caminho da nossa vida”, que o Dante falou. Quando descobrir que vamos morrer é um poderoso incentivo pra começar a viver realmente. Mas a família do Dario Velozo não gostaria da ideia, a não ser que o morto fosse talvez um maçom.
Depois que minha morbidez fez xixi, brincou e sua língua ferina já pendia cansada, decidi que era hora de recolhê-la para casa. Despedi-me do coveiro e lembrei de perguntar com quem o coxa jogava. Pensei em uma provocação que ligasse sua profissão com a situação debilitante do clube, mas achei muito óbvia. Enterrei a piada em algum lugar.
Na volta, pego a Rua Tabajaras, conhecida também como “Rua do Morro”. É porque é a mais íngreme do bairro e, por isso, mendigos, bêbados ou senhores costumam evitá-la. Eu subo e, em uma esquina, sinto um encontro de ventos que sopram em uma agitação crescente. Olha para o lado e vejo um terreno vazio, com o muro coberto de hera e e um mato alto atrás. Às seis e pouco da tarde, na boca da noite, consigo ver o portal, inscrito “Cemitério da Vila Izabel”.
E, abaixo, a frase: “Tem lugar para todo mundo”.
Muito bom ! Fiquei curiosa em conhecer esse lugar .