Os homens são felizes em suas casas
Das construções mais antigas até a minha, contemplamos a história arquitetônica aqui da Vila Izabel. O tempo foi, digamos, ascendente e os habitantes, a cada geração, buscaram se aproximar mais do céu, como na Torre de Babel de sempre. Mas não quero dizer que sou o cume civilizacional, aliás, bem pelo contrário.
Meu prédio tem dez andares, sendo esta uma média destes mais recentes. A ela, acompanha um padrão de tons pastéis: as fachadas exibem variações do bege, demarcadas pelo marrom e com intervalos do branco. A construtora, que monopoliza o mercado e fez a maior parte dos edifícios, provavelmente avaliou que essa coloração dá a serenidade necessária para a quitação do imóvel. Da mesma forma, percebeu que os nomes, quanto mais distantes da língua portuguesa, melhor. O francês (“Privilège”, “Maison de Ville” ou “Le Ville”) traz sofisticação e o inglês (“Downtown”, “Midcenter” ou “Home Park”) a modernidade.
Regredindo algumas décadas, chegamos aos prédios de seis andares, que consigo ver aqui da sacada. Os tons pastéis dão lugar a uma paleta mais vibrante e ousada. Há um amarelo escandalizando a rua, um vermelho provocando os homens e outro verde querendo rivalizar com as árvores do Instituto Neo-Pitagórico. E, na Idade Média da arquitetura vilaizabelina, a língua de Camões vicejava: “Solar da Vila”, “Vila das Flores”, ou até nomes próprios e singelos como “Tatiana”.
Finalmente, chegamos à gênese do bairro: perto do chão, aprofundado em fundações um pouco precárias, onde são erguidas as casas. Em tons pasteis ou coloridos, que mudam ao gosto do dono - e não da construtora. Chamemos aqui tal dono de “seu Nicanor” e sua casa, naturalmente, dispensa qualquer título, pois todos sabem que ali é simplesmente a “casa do seu Nicanor”.
Imaginei seu Nicanor enquanto lia, também da sacada, “O Nariz do Morto”, de Antônio Carlos Villaça. Em um trecho divagante do livro, uma agradável pausa na narrativa autobiográfica, há essa frase que, sem qualquer explicação, me pareceu verdadeira: “Os homens são felizes em suas casas”.
Não que eu seja um pequeno burguês infeliz e ingrato no meu prédio de dez andares. Nem que os moradores do edifício “Tatiana” estejam sem motivação ao levantar de manhã. Mas, com certeza, seu Nicanor é absolutamente feliz.
Seu Nicanor acorda e vai na frente da sua casa, quando respira a brisa úmida do bairro. A chaleira apita e ele volta pra preparar o café. Com a caneca, vai no quintal e o cachorro late querendo atenção - ele se abaixa para acariciá-lo. A seu Nicanor agradam os trabalhos manuais e já chegou a fazer até uma cabine de um Alfa Romeo, de nó de pinho. De manhã, pega uma cadeira, também feita por ele, e senta-se para observar a rua. Um rapaz diminui o passo e repara na altura da casa, na cor e no dono. Seu Nicanor acena e ele retribui o gesto.